segunda-feira, 15 de março de 2010

O problema é seu.

Por Sabrina Fantoni

Lembro-me nas aulas de semiótica quando o assunto era sobre vivermos em uma sociedade apática, indiferente e mecanizada; embora eu concordasse com tudo aquilo não me recordava da última vez que brotou em mim algum esboço de solidariedade e compaixão. Andava eu todos os dias pelo mesmo caminho, econtrava os mesmos rostos no ônibus, as mesmas conversas, e as músicas altas no celular também eram as mesmas.
Todo o contexto continha um ar nauseabundo, desmotivante. As feições e expressões eram idênticas em traços diferentes.
Foi quando, em um dia qualquer,decidi exercitar minha empatia. Havia tantas leituras singulares e eu as interpretava ao meu modo. Umas me diziam: " O que será que eu vou falar para o meu chefe? prometo nao chegar atrasado amanhã" ou algo como: " Não aguento mais gastar tanto dinheiro e comer tão pouco, preciso achar um restaurante mais barato perto do trabalho". Na maioria das vezes captava problemas avulsos. Ás vezes me arriscava a reconhecer alguma característica que denunciasse alguém caído de amor ou que estivesse imerso numa dor imensurável.
Fato é que ninguém se importa. Mesmo se nos importássemos, como poderíamos nos ajudar? Eu também não sei.
Uma vez vi uma colega de sala indo chorar no banheiro; fui atrás. Assim que começou a me contar percebi que aquele problema para ela era irresoluto,enquanto que para mim, a coisa mais simples possível. Devo dizer que mesmo aos prantos, eu conseguia ver comicidade na história; sobretudo pureza e ingenuidade. Estava ali, a minha frente, o maior problema do mundo. Ela chegava atrasada ou não ia mais às aulas; não dormia direito. É, ela estava vivendo um grande dilema. Dilema do qual muitas pessoas pagariam pra estar vivendo no lugar de seus próprios.
E pensar que tem gente que chega todos os dias em casa para cuidar de algum familiar em estado terminal; ou um filho que mal fala com o pai e se tranca em seu quarto ao pisar os pés em casa. Ou também aquela pessoa que sofreu uma grande humilhação ou uma invasão que a marcará para sempre desde então. Alguém que acabou de fazer a pior escolha de sua vida, alguém que acaba de receber a notícia de que a pessoa amada se foi; Alguém que feriu irremediavelmente uma pessoa. Alguém que dorme nas ruas e sabe que dormirá mais uma vez no concreto esta noite. O apaixonado que nunca será correspondido. O ocioso que arranja maneiras de não se sentir tão inútil. O pervertido que gostaria de ter autocontrole; o malandro que todo dia dá o seu jeitinho de passar a perna; o marido que já não deseja mais a mulher. Todos nós voltamos pra casa todos os dias. Deitamos a cabeça no travesseiro todos os dias e temos os maiores problemas do mundo, todos os dias de nossas vidas.
Essa sou eu, que te enxergo além ou mal te percebo ao te esbarrar. essa sou eu que ao te escutar no corredor, só saio de casa após você ter pegado o elevador para não ter que ensaiar uma conversa. Essa sou eu, que tem os maiores desejos do mundo e também os medos. Assim como você, eu sou.

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