quinta-feira, 13 de maio de 2010

A música da rua

Por Vanessa Yazbek

Assim como todo mundo, acabo passando diariamente pelos mesmos lugares, fazendo o mesmo caminho, e vendo quase sempre as mesmas pessoas. O que muda é o tempo, e os rostos dos transeuntes que caminham lado a lado na Paulista, e que dividem a mesma calçada por determinado momento. Esses rostos são esquecidos assim que desaparecem na próxima esquina, e logo são subtituídos pela atenção em outro rosto, num cachorro passando, ou em alguma música do meu mp3, que também tem minha atenção por menos de quatro minutos, e logo muda. É difícil manter na memória tudo que se vê quando se caminha por ali, afinal, são aproximadamente 1,5 milhões de pessoas que circulam diariamente por aquela avenida. Algumas coisas, porém, ficam, e geralmente são aquelas que chamam a nossa atenção por destoar no contexto geral da paisagem, ou que prendem nossos olhos e despertam algum real sentimento, além da indiferença.
Foi numa dessas andanças que eu acabei percebendo um mendigo e seu cachorro. Na primeira vez que os vi, o mendigo estava de pé em cima de uma das lixeiras quadradas de concreto que ficam numa das calçadas perto do metrô Consolação. Ele tinha um fone de ouvido enorme na cabeça, e tocava uma harpa imaginária que parecia pairar na sua frente. O cachorro, como o bom companheiro que é, estava sentado ao lado da lixeira, feliz da vida na presença do seu dono, e balançando o rabo pra qualquer e todo passante. Mas ninguém parecia ver aquela cena, cruzavam com apatia o mendigo e o cão, que pra mim, criavam um mundo a parte dentro daquele caos de pessoas, passos e pensamentos. Eu entendi o fato do descaso com o mendigo e seu cão, pois apesar de tudo, só na cidade de São Paulo (de acordo com o senso do ano de 2009), são 13.666 pessoas em situação de rua, o que faz com que essa situação se torne corriqueira aos nossos olhos. Apesar disso, eu não pude deixar de parar e observar por um bom tempo.
Fiquei imaginando o que aquele mendigo ouvia, e fiquei desejando poder ver aquela harpa também. A imagem me tocou de uma forma nunca mais esqueci disso, mas tive que retomar logo o meu caminho, e continuar a andar.
Desde esse dia, um bom tempo já se passou, e algumas vezes cruzei com ele de novo (sempre o via com o grande fone de ouvido), mas a pressa sempre me impeliu a passar reto, como a maioria faz. Há pouco tempo atrás, porém, num dia-feira qualquer, na mesma calçada, eu vi um grupo de pessoas, uma câmera na mão, um microfone e sorrisos nos rostos. Na frente delas, com pose de importância e sem esconder um certo brilho nos olhos, estava o mendigo, segurando seu cão pela coleira e discorrendo sobre algo, com imponência, no microfone. Meu sorriso se abriu de imediato, mas eu não pude parar pra entender direito o que estava acontecendo, tinha horário pra chegar na aula, e já estava alguns minutos atrasada, mas jurei pra mim mesma que algum dia ia voltar lá, sentar na calçada com aquele desconhecido, e fumar um cigarro, lado a lado, só pra ouvir suas histórias de vida e saber mais sobre a música que toca no seu fone.
Prometo que o dia que isso acontecer, posto nossa conversa aqui pra vocês. Enquanto isso, se alguém cruzar por lá e tiver mais notícias dele, que me avisem.

Só pra se situar:
http://www.vademetro.com.br/consolacao

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